quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

      Cresci ouvindo histórias de nossa família e, por isso, resolvi muito e respeitosamente resgatar o vivido de nossa família. O que procuro fazer é resgatar o vivido: analisando documentos, observando fotos e resgatando relatos. Trago a luz de nossas recordações a trajetória de nossos antepassados, não para eles, mas para nós mesmos. Uma maneira de “purificar nossa alma”, uma catarse. Pois, resgatar a memória desses antepassados é falar de nós mesmos: somos componentes desta família.
    Somos fruto de um passado. Desse modo, o passado passa a articular com o presente. A escrita do passado “exorciza a morte e a coloca no relato” afastando assim, a angústia que é a consciência da nadificação do ser (o nada). A narrativa do vivido transforma o passado em lições de aprendizagem para aqueles que ainda vivem. E eternizam, de certo modo, aqueles homens e mulheres que viveram em tempos tão diferentes dos nossos.
    Nossa história de família é uma história como a de qualquer outra família, que passou por peripécias, enfrentou a adversidade da existência, passou por momentos de tristeza e muitas alegrias. Uma família como as outras, mas que agora está guardada pela interpretação e pela escrita. 
     Escutei história sobre nossa matriarca Dona Toscana Borella com seu temperamento forte, mas com uma consciência moral impecável; de nosso patriarca o Senhor Camillo Perdiz um homem mais tolerante e dedicado ao trabalho. Histórias que nos emocionam fazendo sorrir e chorar: da Anna Perdiz (Tia Nica); do Hygino Perdiz (Gino); do Periano Perdiz (Veriano); da Hermelinda Perdiz (Melinda); da Olga Perdiz; do Plinio Perdiz. Histórias de homens e mulheres que não hesitaram diante da existência e tentaram as duras penas fazer da vida uma obra de arte.
    Quero agradecer a todos aqueles que colaboraram com relatos, documentos e fotos. Todos esses tornaram possível aproximar essa escrita o mais verossímil da realidade passada. É claro, que esse escrito não esgota a nossa história familiar, mas é o começo de inúmeras recordações que virão e talvez, em um futuro mais próximo, possam ser novamente registradas acrescentando novos relatos, documentos e fotos.
     Resgatar o vivido não é um trabalho fácil, mas um esforço que envolveu a solidariedade e paciência de muitos que tanto contribuíram para que nossas memórias não se perdessem ao vento. Que possamos olhar o nosso passado com um olhar de aprendizagem, de muito respeito perante aqueles que vieram antes de nós, mostrando que na existência nem tudo são acertos e nem tudo são erros, como escreveu Guimarães Rosa: “viver é muito perigoso”. Na vida não existem caminhos das pedras. A vida é uma grande aventura.  No viver corre-se o risco de experimentar os momentos. E a vida é uma coleção de momentos. O que procurei aqui é apresentar um pouco dessa coletânea dos momentos de nossos entes queridos. Essas pessoas que deram origem a UMA RAMIFICAÇÃO DA FAMÍLIA PERDIZ NO BRASIL.




Camillo Perdiz




     A família Perdiz tem suas origens com CAMILLO PERDIZ, nascido em Pontevedra, na Província de Pontevedra, na Comunidade da Galiza, na Espanha, no dia 11 de maio de 1873. Era filho de LOURENÇO PERDIZ e BENEDICTA GARRIDO. Camillo imigrou para o Brasil deixando a pobreza que assolava a Espanha desde o final do século XIX.  
Escudo da Província de Pontevedra
      Não só Camillo, mas inúmeros espanhóis “deixavam suas terras devido aos problemas econômicos decorrentes de uma estrutura arcaica e do tardio desenvolvimento industrial”. (Cf. VEIGA, 2008. p. 59 - Tese de doutorado)
     Camillo Perdiz deixou o Velho Mundo em busca de melhores condições de vida nas Américas. Chegou ao Brasil, que também passava por profundas transformações políticas, econômicas e sociais. O Brasil “inseria-se no mundo capitalista com a exportação de café; politicamente entrávamos na República e, socialmente abolíamos a escravidão. Frente a essas reformas, os imigrantes desembarcavam nos portos para substituir a mão-de-obra escrava utilizada nas lavouras de café”. (Cf. ibidem. p. 10)

Por onde chegou em Batatais, Camillo Perdiz e Toscana Borella.
Estação de Trem de Batatais - SP (Foto de 1895)


Igreja onde casou-se Camillo Perdiz e Toscana Borella
Antiga Igreja Matriz de Batatais - SP (Foto de 1898)
    Em 1899, Camillo com 26 anos de idade encontrava-se em Batatais, no interior do Estado de São Paulo, onde se casou, no dia 09 de setembro de 1899, com uma imigrante italiana, TOSCANA BORELLA, que contava com 21 anos de idade.
         Camillo Perdiz e Toscana Borella, em 1900, recém-casados passaram a residir no município de Jardinópolis, que ainda era distrito de Batatais. Residiam numa casa nas proximidades da antiga estação de trem, na antiga Rua 24 de Maio s/n. Casa que ainda se encontra nas proximidades do atual Terminal Rodoviário e que foi construída por Camillo para abrigar com dignidade sua prole.
      Camillo e Toscana conceberam nove filhos: ANNA PERDIZ, nascida em Jardinópolis, no dia 07 de maio de 1900; THEREZA PERDIZ, nascida em Jardinópolis, no dia 22 de outubro de 1901, falecendo em Jardinópolis, no dia 09 de abril de 1902; HYGINO PERDIZ, nascido em Jardinópolis, no dia 21 de fevereiro de 1903; MARIA THEREZA PERDIZ, nascida em Jardinópolis, no ano de 1905, falecendo em Jardinópolis no dia 04 de agosto de 1912; PERIANO PERDIZ, nascido em Jardinópolis, no dia 09 de agosto de 1907; HENRIQUE PERDIZ, nascido em Jardinópolis, no dia 15 de março de 1910, falecendo em Jardinópolis, no dia 28 de março de 1910; HERMELINDA PERDIZ, nascida em Jardinópolis, no dia 17 de junho de 1911; OLGA PERDIZ, nascida em Jardinópolis, no dia 02 de setembro de 1913 e PLINIO PERDIZ, nascido em Jardinópolis, no dia 13 de janeiro de 1916.


Estão de trem por onde chegou em Jardinópolis - Camillo Perdiz e Toscana Borella
Estação de Trem de Jardinópolis - SP (Foto de 1912)

      De acordo, com o relato da filha Olga Perdiz: “a vida era difícil, e ainda pequenos, todos os irmãos trabalhavam para ajudar na manutenção da casa”. (Folha de Jardinópolis; coluna: Geral; publicado em 28 de abril de 2001, p. 05)
    Segundo o que relatou da filha Hermelinda Perdiz, "seu pai era pedreiro e realizou importantes construções para o desenvolvimento do município de Jardinópolis, construiu as primeiras guias de sarjetas para o calçamento da cidade. Trabalhou na construção da Ponte sobre a curva da morte. Esta ponte foi construída porque muitas mortes estavam acontecendo na passagem de nível da linha férrea da Mogyana, que naquele local cortava a cidade de Jardinópolis. Edificou a Capela de São Pedro no sítio dos Turati e o prédio perto da Rodoviária para ali se instalar a fábrica de macarrão de propriedade dos Fregonesi".(Folha de Jardinópolis; coluna: Geral; publicado em 16 de junho de 2001, p. 05)   
    Camillo era um homem bom e muito trabalhador, mas como a maioria dos imigrantes que chegou ao Brasil, enfrentou a precária condição de receber muito menos pelo seu trabalho. Consequentemente, restou-lhe agarrar as pequenas e limitadas oportunidades que apareciam até conseguir melhores oportunidades. Outro problema era a perda dos laços afetivos oriundo da imigração e ao chegarem às terras do Atlântico tinham que enfrentar a dificuldade de comunicação que os limitavam e até os segregavam.
      Conta-se que certa vez Camillo Perdiz, provavelmente encorajado por uma dose a mais de bebida, chegou a cortar na cidade, sem motivo algum, o crédito de sua mulher Toscana Borella. Toscana já cansada com a postura do marido, que exagerava na bebida e juntamente com os desaforos que já vinha sofrendo, pediu que o mesmo deixasse a residência em que moravam.
      Camillo foi morar com a filha Olga Perdiz, casada com Amadeu Brilhadori, que residiam em um sítio, localizado nas proximidades do tradicional armazém do Guerino Siste. Camillo ajudava muito sua filha Olga nos afazeres do sítio.
Devido à venda do sítio, Olga Perdiz juntamente com seu marido Amadeu Brilhadori, seus filhos (Maria Rita, Thereza, Luzia Aparecida e Amadeu Francisco) e seu pai Camillo Perdiz foram residir na Rua Dr. Virgílio Costacurta, no tradicional bairro conhecido como “Baixada”. O bairro da “Baixada” é um marco histórico por ser um dos bairros mais antigos da cidade de Jardinópolis e recebeu esse apelido por estar localizado numa região mais plana da cidade.

Rua Coronel Clementino (antiga Rua São Joaquim) Jardinópolis - SP (Foto de 1912)


Cercado de carinho dos filhos e netos Camillo terminou sua vida. Doente, acamado e antes mesmo de morrer, pediu para as filhas Anna, Hermelinda e Olga chamarem sua esposa Toscana para pedir o perdão. Perdão que Toscana lhe concedeu. Camillo faleceu em Jardinópolis, aos 79 anos de idade, no dia 02 de julho de 1952 sendo sepultado no mesmo dia no Cemitério Municipal de Jardinópolis.
Foi um homem que por meio das suas mãos calejadas pelo intenso trabalho possibilitou os primeiros progressos de Jardinópolis. Não só Camillo Perdiz gerou desenvolvimento na “cidade jardim”, mas inúmeros pedreiros que edificaram guias, que construíram residências, que levantaram fábricas e estabelecimentos comerciais. Esse antigo ofício de pedreiro não só sobrepôs tijolos, edificou uma cidade inteira chamada Jardinópolis.

Nasceu em Pontevedra (Espanha) no dia  11 de maio de 1878 e faleceu em Jardinópolis (Brasil) no dia 02 de julho de 1952
Camillo Perdiz




O intuito é resgatar e guardar na memória a vivência de alguns homens e mulheres que já deixaram de ser. Saíram da existência, mas deixaram seus descendentes e uma trajetória. Não construíram uma vida ideal, mas uma vida real marcada por suor, lágrimas e momentos de alegria.
Foi um trabalho que envolveu a colaboração de todos aqueles que fazem parte da Família Perdiz, uns colaboram mais, outros menos, mas é compreensivo porque resgatar o vivido não é fácil. Na lembrança dos momentos envolve-se um turbilhão de emoções: saudade, angústia, dor, regozijo e tantos outros sentimentos que é da esfera íntima de cada um.
Quero agradecer a todos que fizeram esse exercício tão íntimo e tão profundo de resgatarem os momentos e, assim, permitirem que essas intimidades fossem materializadas em palavras. Agora todos aqueles, que quiserem, podem pelo poder da palavra fazer renascer esses momentos e, consequentemente, jamais permitir que esses entes queridos caiam no esquecimento.
É tendo a consciência da finitude que podemos valorizar cada momento da existência. Não é no amanhã ou no futuro que a vida tem significado, mas no agora. É no momento presente que a vida ganha seu significado.
Cada um de nós pode dar o seu significado à existência. É o indivíduo (o eu) que diz o que as coisas são e, também, dá significado ao mundo. Podemos construir o nosso próprio sentido e significado da existência. Costumo dizer: que a sua existência é aquilo que você dá de significado a ela. Somos nós que criamos os nossos valores e significados, por mais temporários, provisórios e condicionais que sejam. Esses valores são oriundos das nossas vivências pessoais e sociais.
E, voltando aqui, aos nossos antepassados que deixaram a existência e que criaram seus próprios significados e valores, podemos a partir deles e de nós mesmos, pensar e repensar a nossa existência: como vivemos e quais os significados que estamos dando a nossa própria existência. O que mais aprendi com esses entes queridos é fazer da vida uma obra de arte. Como eles mesmos fizeram – cada um do seu jeito. E não cabe aqui dizer que a obra de arte que eles teceram: “é feia ou bela” porque é uma questão do olhar e da interpretação. Eu apenas contemplo e digo: “a vida desses homens e mulheres é bela e de uma beleza incomparável porque é finita e única”.


Sepultura de Camillo Perdiz e Toscana Borella - Cemitério Municipal de Jardinópolis/SP



Lápide da Sepultura de Camillo Perdiz e Toscana Borella





 

 





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